terça-feira, 22 de março de 2016

Respire melhor, corra melhor!

Experimente correr prendendo a respiração. Não é possível. Quando respiramos, captamos oxigênio, que é absorvido e transportado pelo sangue, sendo responsável pela energia produzida pelos nossos músculos.

Mas como respirar é um movimento natural, quando corremos poucos de nós prestam atenção ou “treinam” a respiração da mesma forma que treinamos pernas, movimentos e passadas para ter uma corrida mais eficiente. Para o treinador José Carlos Fernando, o Zeca, diretor Esportivo da Ztrack Esporte e Saúde, “quanto mais profunda for a respiração mais oxigênio chega em nossos músculos e estes terão maior condição de realizar seu trabalho na corrida”. Segundo ele, “ o que vemos de uma forma geral é que a medida que o organismo como um todo entra em fadiga (final de prova ou muita intensidade na atividade), o atleta não consegue realizar o ciclo respiratório de forma eficiente e isso leva a uma diminuição do ciclo respiratório e compromete a performance”.

O treinador explica que cada corredor se sente mais confortável com um padrão próprio de respiração, porém este ritmo está diretamente ligado ao condicionamento físico do indivíduo. “Quanto mais condicionado maior é o fluxo respiratório e melhor a resposta da ação esportiva”, diz.
Corredora e professora de ioga, Valeria Spakauskas, trouxe para sua corrida os Pranayamas, técnicas de respiração realizadas durante as práticas de Ioga. “Inspiro pelo nariz e expiro pela boca, fazendo uma respiração abdominal, sempre contraindo esse músculo. Me ajuda muito, inclusive minimizando o cansaço”.

SEM DOR
O treinamento de técnicas de respiração faz toda a diferença na corrida, mas não apenas na performance, como também na prevenção de lesões.

Um estudo realizado pelos pesquisadores Dennis Bramble e David Carrier, da Universidade de Utah, publicado pela revista científica Science lá pelos anos de 1980, concluiu que o maior impacto da corrida no corpo acontece quando a pisada coincide com o início da expiração. Assim, podemos entender que se respiramos 2 x 2 (uma inspiração a cada dois passos, por uma expiração a cada dois passos), um padrão quase que natural e muito comum entre corredores, significa que soltamos o ar toda que vez na mesma pisada, ou seja, do mesmo lado. Por exemplo, se começamos a soltar o ar toda vez que o pé esquerdo toca o chão, o lado esquerdo do corpo vai continuamente sofrer mais com o impacto causado pela corrida.

O trabalho dos pesquisadores de Utah mostrou que quando o pé toca o solo, a força do impacto é igual a duas ou três vezes ao nosso peso corporal e que quando exalamos o ar, o diafragma e a musculatura ligada a ele relaxam, criando uma instabilidade corporal, que impacta ainda mais na hora da pisada, por isso o momento da expiração altera a estabilidade.

Foi com base nessas informações dos estudos realizados em Utah que o treinador norte-americano Budd Coates criou um sistema de respiração para corredores que não só contribui com a melhor performance, como também – comprovadamente – na prevenção de lesões.

Ao tomar conhecimento da pesquisa de Bramble e Carrier, Coates começou a testar em seus pró-prios treinos uma respiração ritmada, alternando a cada expiração o pé que toca o chão. Dessa forma, ele diluiu a impacto da pisada e da instabilidade causada ao expirar. O estresse desses movimentos contínuos passaram a ser igualmente compartilhados entre os dois lados do corpo. Foi assim, que ele não só resolveu uma lesão que insistia incomodar no lado esquerdo do quadril, como desenvolveu todo o sistema que deu origem ao seu livro “Running on air, the revolutionary way to run better”.

O método de Coates basicamente sugere o que podemos chamar de padrão ritmado de respiração ímpar. Por exemplo, 3 x 2 (uma inspiração a cada 3 passos e duas expira expiração a cada dois passos). Com o padrão ímpar, o pé que toca o solo na expiração (momento do maior impacto) será sempre alternado, ora direito, ora o esquerdo.

O corredor paulistano Darci Silva tomou conhecimento do método de Coates e resolveu testá-lo. “Eu sentia um desconforto num dos joelhos ao correr, sempre no mesmo. Foi a um ortopedista e ele me disse que havia uma descompensação entre os dois lados do meu corpo. Passei a treinar uma respiração 4 x 3 enquanto corrida. As dores sumiram”. Hoje, o maratonista já incorporou a respiração ímpar, “nem percebo mais”. Dores, também sumiram.

Assim como na ioga, que sugere uma respiração mais abdominal, o método do treinador norte-americano também sugere esse tipo de respiração, “pois quando você inspira, o diafragma se contrai e se move para baixo, enquanto músculos peitoriais expandem a caixa torácica, aumentando a capacidade dela, preenchando-a com mais ar, o que obviamente melhora todo o funcionamento do corpo”.

EXERCÍCIOS PARA TREINAR RESPIRAÇÃO ÍMPAR

Em seu livro, o treinador Budd Coates sugere, num primeiro momento, treinar a respiração abdominal.
Respiração abdominal. Permaneça deitado de costas. Mantenha seus ombros e peitoral parados
Inspire o ar preenchendo todo o abdome (se necessário coloque as mãos na região para sentir a expansão da barriga).Abaixe, murche a sua barriga enquanto expira. Inspire e expire tanto pelo nariz e quanto pela boca.
Faça esse exercício durante alguns minutos, por vários dias, até você perceber que a respiração abdominal já é quase natural para você.
Respiração abdominal e caminhada. Agora que você já está familiarizado com a respiração abdominal, é hora de passar pra uma nova fase.
Comece a fazer pequenas caminhadas concentrando-se em respirar pelo abdome e executar uma respiração ritmada ímpar. Inicialmente, você pode experimentar 4 x 3 (uma inspiração a cada 4 passos e uma expiração a cada 3 passos) ou 3 x 2 (uma inspiração a cada 3 passos e uma expiração a cada 2 passos).
Faça essas caminhadas com exercícios de respiração ímpar por algumas semanas. Concentre-se nas pisadas alternadas, veja se realmente o pé que impacta na expiração é alterado a cada ciclo.
Corrida com ciclo de respiração ímpar. Depois de algumas semanas de caminhada, comece a utilizar a respiração ímpar em seus treinos de corrida. Para uma melhor adaptação, comece com treinos mais curtos. Teste qual o ciclo de respiração é melhor para cada tipo de treino que você faz: 4 x 3, 3 x 2, 4 x 1 x 1 x 1. Sempre observando a alternância do lado impactado nas expirações. Aos poucos vá aumentando as distâncias até que você se sinta confortável para realizar seus treinos e provas utilizando esse tipo de respiração.

Fonte: Jornal da Corrida

sexta-feira, 18 de março de 2016

A mente do maratonista

Para ser considerado um maratonista não basta terminar uma prova de 42 km, pegar a medalha e pendurá-la na estante da sala ali, bem ao lado da foto emoldurada que estampa o traje da corrida molhado de suor.

É preciso ter uma essência, uma personalidade marcada pela determinação e força de vontade, conquistadas com doses de planejamento, motivação e coragem.

O planejamento pode não ser complexo nem completo, mas deve existir. Desde o momento que começam os primeiros treinos, vem o aprendizado para ouvir o próprio corpo e, então, o corredor começa a sentir o quanto pode melhorar seu potencial e sua intensidade.

Para que isso ocorra, é preciso planejar os horários, dias da semana, períodos do dia e possíveis gastos financeiros.

O problema é que, em uma segunda etapa dos treinos para uma maratona, o atleta precisa de mais tempo. Começa a ver necessidade de abrir mão do sono, se preocupar mais com a alimentação, abdicar de alguns momentos de relacionamentos sociais e até mesmo de alguns outros hobbies. A prioridade para corrida parece ficar até um pouco “doentia” na visão de quem está vendo de fora, pois a pessoa torna-se, de certa forma, “obcecada”, “neurótica”, quase “louca”.

Lidar com estes aspectos faz do maratonista um ser que consegue conviver consigo mesmo. São pessoas que acabam descobrindo meios de não se incomodarem com o que os outros pensam. Ficariam horas seguidas em um local isolado sem se incomodar com a ausência de pessoas. Mas isto não quer dizer que sejam antissociais e gostem de ficar sozinhos. Pelo contrário, valorizam muito o trabalho em equipe e sabem da importância das pessoas ao seu redor, mesmo que muitas vezes não demonstrem isso.

Além disso, a sua motivação também é constante. A cada final de treino notar que baixou em alguns segundos seu pace, ou que manteve o ritmo mesmo com aumento da elevação total, é sempre uma pequena emoção, que traz mais força e vontade para o objetivo final. Por este motivo, é possível ver uma boa parcela desta classe de corredores calmos, sem demonstrações de ansiedade, pensando (e planejando) a longo prazo e com os pés no chão.

Já a coragem é algo que surge de forma particular, após a conquista de desafios, superação de adversidades e abandono de vícios. Praticamente todos que definem a meta de correr uma maratona possuem um motivo de certa forma louvável. E a determinação que uma prova longa como essa exige é o que torna os maratonistas mentalmente fortes, estáveis e corajosos.

Querem um exemplo. Me lembro até hoje de um homem que aos 35 anos estava obeso, prestes a perder o emprego e a família. Este homem passou três anos se preparando até correr a Maratona de São Paulo. Depois disso ele estava em um emprego melhor, cargo melhor, bem mais magro e mais unido que nunca com família e amigos. Quando seu chefe dava um desafio aparentemente impossível, ele aceitava. E em seguida, quando seus colegas lhe perguntavam “Você é louco?”, ele simplesmente respondia: “Vocês já correram uma maratona?”. Aposto que até hoje eles não entenderam essa resposta…

Resumindo, não existe uma regra bem definida a respeito do comportamento da mente de um maratonista. Mas podemos dizer que a maioria deles são fáceis de lidar, podem ser excelentes funcionários, gostam de desafios, não temem obstáculos, são observadores e centrados, não se descontrolam por qualquer coisa e estão sempre dispostos a ajudar aqueles que realmente merecem.

Fonte: Ativo